Hoje eu sonhei com um dos meus cachorros
preferidos. Sim, eu tive muitos, mas alguns marcaram muito. Pit, também
conhecido como Pit-tusco (nunca pensei em como escrever isso) ou simplesmente
Tusco. Ele nasceu no terreno de um vizinho, filho de uma cachorrinha um tanto
mal cuidada. Todos passavam fome, até que um belo dia o Tusco decidiu se mudar
para meu quintal. Ele tinha menos de dois meses, mas já sabia o que queria da
vida: queria viver! E assim foi: minha família e eu nos apegamos àquela
coisinha creme do nariz preto, que ficava mais forte a cada dia, enquanto todos
seus irmãos morriam. Sobrou apenas ele. O Pit era quieto, nunca latia, não
gostava de ser pego no colo (mas eu, no alto dos meus oito anos, fazia isso
todos os dias e ele apenas chorava, desesperado, porque jamais teve coragem de
me morder), não gostava de ração, fazia sucesso com as cadelas do bairro e não
gostava de mendigos. Ele tinha outras duas características marcantes: não
gostava de criança e sempre estava na rua (os portões ficavam abertos para ele,
mas, mesmo se não, ele sempre daria um jeito de fugir, como a vez que escapou
pelo telhado do vizinho), voltando para casa quando queria.
Sobre essas duas características que acordei
pensando. Primeiro, ele odiava crianças. E eu era uma. Mas o Tusco me amava.
Ele me amava por ter salvado sua vida, pelas tardes que passávamos juntos,
pelas refeições que repartíamos, por eu deixar ele me acompanhar pelo bairro,
onde quer que eu fosse. Ele me amava pelo que eu era por dentro, e não pela
cara de criança que tinha por fora. Ele me amava com toda sua força e por isso
suportava minha falta de idade. Por mim ele suportava tudo... e por mim ele
daria a vida, como quase fez no dia em que se jogou dentro da boca de um
doberman que apareceu do nada e ia me morder pelas costas, sem eu ver. E hoje,
olhando para trás, eu vejo o quanto o Tusco, com seus olhinhos pretos redondos,
me ensinava o que é “simplesmente amar”.
Outro fato que só percebi hoje é que o Pit me
ensinou a diferença entre ser livre e ser ausente. Ele saia todos os dias e
era, inclusive, fichado na carrocinha. Mas ele esteve sempre que eu precisei
dele. Ele sempre voltou. E a lição mais dura que ele me ensinou foi a final: a
diferença entre dar liberdade e abandonar. Em determinado momento os cães
tiveram que ficar na chácara do meu pai, que contava apenas com um caseiro que
dava comida para os bichos. E nos preocupamos com a segurança de todos eles, menos
com a do Pitt, já que ele era esperto, safo, e estava acostumado a andar
sozinho. Mas hoje entendi que ali ele não estava livre, ele estava sozinho,
abandonado. E então, enquanto todos os cães viviam felizes, ele saiu... e nunca
mais voltou.
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